Histórias de silêncio num mundo aos gritos

OLGA FONSECA

E a forma como a infância é definida num determinado momento histórico influencia a forma como se entende o que é ou não abusivo. Como diria Loyd De Mause, « a história da infância é um pesadelo do qual só recentemente começamos a acordar. Quanto mais longe vamos na história, mais baixo e deficiente é o nível de cuidados para com a infância, maiores são as pro- babilidades de morte, abandono, espancamento e abuso sexual… ». 3. Ora, todas as crianças precisam de colo. De muito colo. Mesmo contra a opinião de muitas avós que, do alto das suas experiências maternas e avoengas, vão opinando que colo a mais faz mal. É da natureza humana a precisão de vinculação. A um outro. A alguém que tem de ser capaz de amar e cuidar de uma criança como ela merece, de acordo com os cânones expostos nas Magnas Cartas da infância, todas iluminadas pelo espírito generoso e terno da Convenção dos Direitos da Criança, aprovada pela ONU em 1989 e logo ratificada pelo Estado Português no ano seguinte, fazendo, assim, e por isso, parte do cotejo de legislação que pode e deve ser directamente aplicada a todas as crianças portuguesas ou residentes em Portugal. 4. E esse colo é dado também por Olga Fonseca. Dá-o à Teresa, a gata borralheira, ao menino que não podia fazer nada, ao outro a quem disse que « qualquer dia é um dia bom », ao Pedro da herança, ao que procura « o meu Pai novo? », à Marta, a escolhida, ao que joga a len- ga-lenga do « Um-do-li-tá, porque é que alguém me quererá? », ao que aprende sobre coisas especiais, ao Rui e aos Ruis, à Sofia dos ângulos, ao pai que amolava tesouras… E dá-o ao « Magistrado, de sorriso a colorir a toga pesada » que « perguntava ao novo Pai se sabia que o dia em que levava aquele filho para casa era o dia em que o Papa fazia anos », ao « novo Pai, com o olhar a acompanhar as correrias do filho » que « respondia que não, com os lábios » e que « com a expressão, declarava que o que sabia era que nesse dia o seu mundo tinha ficado muito mais luminoso! ». E as lágrimas da Olga, tão perto dos seus olhos, « eram tão ácidas como as daqueles dias em que ainda estava em casa ».

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